Diretamente do site da Veja:
Em setembro do ano passado, o cirurgião Mauro Igreja (à esq.), do Hospital Santa Isabel, em Blumenau, chegou a participar de dezesseis transplantes, além de viajar por diversas cidades para captar órgãos. À direita (em sentido horário), a assistente social Maria, a enfermeira Solange e a psicóloga Rosi: elas vão atrás de autorização dos familiares de pacientes para a doação.
Eram 4h20 da tarde de 21 de julho de 2001 quando a dona de casa catarinense Margarida Fritzke recebeu a notícia de que sua filha, Raquel, entrara em morte encefálica. Aos 20 anos, a moça não resistiu a uma cirurgia no cérebro para a retirada de um tumor na glândula hipófise. Ao comunicado de que os órgãos da jovem poderiam ser doados e, dessa forma, salvar vidas, a mãe manteve-se inflexível e irredutível: “Ninguém mexe em minha filha. Ela será enterrada inteira”. Seis anos e quatro meses se passaram e o que parecia improvável aconteceu. Num exame de rotina, aos 15 anos, Denis, o segundo filho de Margarida, foi diagnosticado com um tumor raro de fígado. Diante da constatação dos médicos de que só um transplante salvaria o menino, a mãe desabou: “Percebi ali o enorme erro que havia cometido ao me recusar a doar os órgãos de Raquel. Cheguei a pensar que eu não merecia a chance de salvar meu filho. Luto todos os dias para não me deixar dominar pela culpa”. Inscrito na fila para a recepção de um fígado, Denis foi operado em apenas quinze dias. Se a família Fritzke não morasse em Santa Catarina, Margarida provavelmente teria perdido seu outro filho por falta de doadores. Nos demais estados brasileiros, a espera por um fígado varia de um a dois anos, e Denis tinha, conforme os prognósticos mais otimistas, apenas três meses de vida.
O sistema de transplantes de Santa Catarina é exemplar. O número de doadores efetivos do estado é o mais alto do país (veja os quadros). Santa Catarina fechou 2008 com 16,7 doadores por milhão de habitantes, enquanto a média nacional é de minguados sete doadores por milhão de habitantes. Por doador efetivo entenda-se o corpo pronto para a retirada dos órgãos, quando já foram vencidas todas as etapas do processo de captação – do diagnóstico de morte encefálica à manutenção do corpo na UTI, passando pela autorização familiar. “Ninguém morre numa fila de espera por falta de médicos, hospitais ou remédios”, diz Joel Andrade, coordenador da Central de Transplantes de Santa Catarina. “Morre-se por falta de órgãos.” No caso específico do fígado, a morosidade da fila é ainda mais perniciosa. “Dias a mais de espera costumam ser determinantes”, afirma o cirurgião hepático Julio Cesar Wiederkehr, do Hospital Santa Isabel, em Blumenau. “Não há tratamentos paliativos para quem chegou ao ponto de precisar de um transplante hepático.” Como em Santa Catarina a fila por um fígado é mais veloz do que no resto do país, o estado se tornou o campeão nacional dos transplantes hepáticos.
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Um dos maiores responsáveis pela proeza é o cirurgião Mauro Igreja. Em companhia do motorista Carlão, a bordo de um Gol 2006, 89 000 quilômetros rodados, o médico zanza de um lado para outro do estado, num raio de até 300 quilômetros de Blumenau, na tarefa de captar os órgãos para transplante. Distâncias maiores são percorridas em helicópteros ou jatinhos. A dedicação de Igreja é tanta que ele faz questão de participar também do transplante dos órgãos captados. Em geral, o médico que capta não opera. Em setembro do ano passado, ele participou de dezesseis transplantes hepáticos e de mais dezesseis cirurgias para a retirada de órgãos. Saldo total: 100 horas num centro cirúrgico, duas multas por excesso de velocidade e dezesseis vidas salvas.
Fica a lição: se quiser mudar o mundo faça bem feito aquilo que você faz.